Por Nilda Gondim - Senadora
Os assassinatos, com requinte de crueldade e extrema covardia, do congolês Moïse Kambagame, de 24 anos de idade, e do brasileiro Durval Teófilo Filho, de 38 anos, vêm se somar aos inúmeros casos de violência cometidos no Brasil contra seres humanos e motivados por sentimentos racistas que já deveriam ter sido banidos em todo o mundo.
A sociedade brasileira, por meio de suas instituições e entidades organizadas, precisa dar um basta ao sentimento racista (de ódio aos negros) e xenófobo (de aversão aos estrangeiros) que conduz cada vez mais o Brasil ao passado vergonhoso da escravidão, com seu extremo desprezo aos direitos de cidadãos e cidadãos de todas as idades em razão da cor da pele.
Cito aqui os casos de Moïse Kambagame, agredido até a morte, no dia 24 de janeiro, em um quiosque localizado na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, e do brasileiro Durval Teófilo Filho, assassinado às 23 horas de sexta-feira, 04 de fevereiro, ao retornar do trabalho para sua residência, em um condomínio em São Gonçalo, também no Rio de Janeiro, para manifestar minha indignação frente a tanto desrespeito aos seres humanos.
Durval foi morto por um sargento reformado da Marinha que disse tê-lo confundido com um assaltante e que, ao se apresentar à Polícia, foi inicialmente ouvido como “vítima”, enquanto a verdadeira vítima foi apresentada como “suspeito”, fato que demonstrou claramente os sentimentos crescentes na sociedade brasileira de preconceito, de discriminação e de desrespeito à pessoa humana.
Nós não podemos nos calar diante de tantas atrocidades que vêm sendo registradas em todas as regiões do Brasil e que, na maioria dos casos, são marcadas pela impunidade dos seus responsáveis, como se fosse natural o País retroceder ao passado vergonhoso e degradante da escravidão, quando os negros eram tratados como inferiores aos brancos; como “propriedade” dos brancos, e mediante a indiferença da justiça e das demais instituições que deveriam defender a cidadania de todos, independentemente da cor da pele, da crença e da situação econômica e social, mas se calavam a legitimavam a barbárie humana da exploração do homem pelo próprio homem.
Lamento a falta de providências efetivas para barrar o preconceito crescente nas várias camadas da sociedade brasileira e aproveito para lembrar que há mais de 60 anos, na década de 1960 do Século passado, o meu pai (ex-governador da Paraíba, Pedro Moreno Gondim) já combatia o preconceito e defendia o amor, a justiça e a igualdade entre as pessoas. Infelizmente, passados mais de meio século, nossa realidade continua cada vez mais marcada pelo desrespeito, pela banalização da violência e pela prática do racismo e da intolerância de todas as espécies.
Recorro ao poema de autoria de Pedro Gondim, intitulado “Abraço das Raças”, para defender a igualdade entre as pessoas, e lembro que, ainda muito jovem, ouvi de meu pai a seguinte indagação: “E por que distinguir no gozo da vida, da vida integral, pretos e brancos, ricos e pobres, se tudo é igual?”
Para realçar a igualdade defendida, ainda no primeiro verso do poema, Pedro Gondim recorreu à inocência das crianças, que a todos aceita como iguais; observou que “a criança negra trazia nos braços e beijava na face a boneca loura” e ofereceu aos leitores de sua época uma oportunidade lúdica de refletir sobre as relações humanas e sobre a realidade de que “todos somos iguais, todos somos mortais e filhos de Deus”.
Para os leitores da atualidade, transcrevo o poema “*Abraço das Raças*”, de Pedro Gondim, que segue na íntegra:
Abraço das Raças
Por Pedro Gondim
E por que distinguirno gozo da vida,
da vida integral,
pretos e brancos,
ricos e pobres,
se tudo é igual?!
A criança negra
trazia nos braços
e beijava na face
a boneca loura.
Branco, meus filhos,
também como os seus,
são filhos de Deus!
Já virá lá fora,
mas os filhos pequenos,
numa festa infantil,
repetiam a lição,
que apenas devolvo,
crismada nas bênçãos
do meu coração.
De lares humildes,
de ricas vivendas,
até de palácio,
muitas crianças
logo acorreram
e todas viveram
a mesma inocência.
Guardem os meus filhos,
guardem os meus netos
este poema.
E os filhos diletos
da minha memória
se tanto a história
nos conceder.
Capazes são todas
do mesmo saber,
capazes são todas
do mesmo sofrer.
Todas iguais,
todas mortais
e filhas de Deus.
E decorem,
e declamem,
e defendam
com as forças maiores,
as do sentimento,
na força do exemplo.
Na estrada terrena,
na estrada sagrada,
a todos aguarda
o mesmo dever.
E com a vida também,
que só vale exercida
com nobre ideal,
encargo de todos,
alegria de todos,
encontro de todos
na vida imortal.
Mais tarde senhoras
dos mesmos anseios,
merecem iguais meios
pra mesma vitória.
Da terra que somos,
pra terra voltamos
sem cor nem legendas,
todas iguais,
todas mortais
e filhas de Deus.